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Ariano Suassuna: ‘O socialismo continua sendo a utopia no final do século’

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Ariano Suassuna, escritor

Por Wellington Farias
O Tropicalismo foi um movimento equivocado, sobretudo porque empunhou a bandeira do Brasil de uma imagem ridícula, simbolizado por figuras caricatas como Carmem Miranda. A opinião é do escritor e dramaturgo paraibano, Ariano Suassuna, membro da Academia Brasileira de Letras, autor de um dos mais importantes obras da Literatura Brasileira, o Romance d’A Pedra do Reino, e de peças teatrais não menos relevantes, como O Auto da Compadecida.
Ariano é o criador do Movimento Armorial. Poucos dias antes de conceder esta entrevista (1992), em sua casa, no bairro de Casa Forte, em Recife, o dramaturgo havia quebrado um pacto de silêncio de dez anos, com uma entrevista especial que concedera ao Caderno Mais, do jornal Folha de S. Paulo. Já naquela época, Ariano Suassuna estava escrevendo um novo livro que, segundo ele, poderia ser “uma retomada d’A Pedra do Reino”.
Paraibano “de nascimento e de coração”, Ariano foi a única pessoa a nascer no Palácio da Redenção, sede do Governo da Paraíba, em João Pessoa, à época em que o seu pai, João Suassuna, era presidente do Estado. Para conceder esta entrevista, o escritor impôs uma condição: não se falar dos fatos que marcaram profundamente a sua vida, no tumultuado período que culminou com a Revolução de 30.

Wellington Farias – O sr. tem se mantido distante de tudo, num regime de clausura, digamos assim. Praticamente não aparece em público, não dá declarações e tomou aversão à imprensa. Por que?

Ariano – É porque eu preciso de tranquilidade, de sossego para escrever. Eu me aposentei da Universidade (Federal de Pernambuco) onde exercia uma função que sempre me fascinou muito, que é a de professor. Mas, durante toda a vida, nunca fui de me dedicar exclusivamente à literatura. Então, depois de 33 anos ensinando na Universidade eu já tinha direito a me aposentar; aposentei-me para escrever esse livro com o qual sonhei a vida toda. Por isso, tenho que ter um pouco de tranquilidade, senão seria melhor continuar na Universidade.

O sr. está aposentado desde quando, e o que ensinava?

Ariano – Eu ensinava várias matérias – Filosofia da Arte Estética, Literatura Brasileira, História da Cultura Brasileira, Filosofia da Cultura. Mas, principalmente Filosofia da Arte. Estou aposentado desde julho de 1989.

Desde 1981 que o sr. não escreve ou, pelo menos, não lança nenhuma obra literária. Por que?

Ariano – Não. Depois de 1971 publiquei duas partes de um romance no Diário de Pernambuco. Em 1971, eu publiquei A Pedra do Reino. Mas, em 1974, se não me engano, eu publiquei, durante dois anos, duas partes do romance que seguiria ao Romance d’A Pedra do Reino, no Diário de Pernambuco. Dessas duas partes, a primeira publiquei em livro, que se chama Ao Sol da Onça Caetana. Mas, de lá para cá, eu achei que tinha cometido um erro de narração e suspendi, parei de escrever A História do Rei Degolado nas Caatingas do Sertão.

Em carta endereçada (e publicada) ao jornal Diário de Pernambuco, o sr. declarou-se afastado da literatura.

Ariano – Eu me declarei afastado da vida literária. Dessa eu continuo afastado. A não ser quando uma pessoa como você vem me pegar em casa, me surpreender de “emboscada”.

Qual é a diferença entre estar afastado da literatura e estar afastado da vida literária?

Ariano – Afastar-se da literatura seria parar de escrever. E eu nunca parei de escrever. Durante esses anos todos eu escrevi poesia, por exemplo, que é uma parte do meu trabalho de escritor, que é praticamente desconhecida de todo o mundo. Eu escrevo poesia desde muito menino. Publiquei o meu primeiro poema – Noturno – aos 18 anos de idade, no Jornal do Commércio, de Pernambuco, em 1945.

Esse novo romance a que o sr. se referiu já está pronto? Aborda o que?

Ariano – Não está pronto e eu não quero falar sobre ele. Porque não gosto de falar sobre o que eu estou escrevendo; só gosto de falar depois de ficar pronto, mas como ele não está pronto, eu não gostaria de falar sobre o romance.

Pelo menos há uma previsão para lançamento? Já pensa em editora?

Ariano – Não sei nem se vou encontrar editor. Não tenho nem previsão para concluir este romance. Porque eu escrevo com muita lentidão, muito devagar, com muito cuidado. Eu tenho uma forma muito pessoal de escrever. Então, não sei quando vou acabar. E editor, então, não sei nem se vou encontrá-lo. Não pensei nisso ainda.

O sr. tem a fama de ser prolixo na narrativa e dado a rescrever os textos. Talvez esteja aí a demora, não?

Ariano – Há quem me considere prolixo. Eu não tenho uma visão clara sobre mim. Mas há alguns críticos que, quando publiquei A Pedra do Reino, disseram que eu poderia ter escrito o livro em apenas 300 páginas, e eu o fiz com 600 páginas. Eu até fiz uma brincadeira dizendo que poderia ter escrito em trinta páginas, em trinta linhas e em até três linhas. Eu poderia resumir a estória de Quaderna, que é o personagem principal de A Pedra do Reino em três linhas. Agora, eu não sei se contando em três linhas, trinta linhas, trinta páginas ou 300 páginas, teria tudo que tem em A Pedra do Reino. Eu não sei avaliar, não.

Qual vai ser o título do livro?

Ariano – O título ainda não existe.

Quaderna também é personagem neste livro?

Ariano – Quaderna reaparece.

Este livro, então, não seria a continuação d’A Pedra do Reino?

Ariano – Se eu conseguir terminar o livro como eu estou pensando, ele vai concluir a estória que começou n’A Pedra do Reino. Mas não se pode dizer que seja propriamente uma continuação. Seria uma retomada, digamos assim.

Quando o sr. rescreveu A Pedra do Reino o fez pensando que este romance teria continuidade mais tarde, ou essa retomada aconteceu fora de propósito?

Ariano – Em continuar pensava, sim. O livro A Pedra do Reino foi pensado como o primeiro de uma trilogia que se chamaria Maravilhosas Aventuras de Quaderna Decifrador e a Demanda Novelosa do Reino do Sertão. Este seria o título geral. Essa trilogia seria desenvolvida em três romances: primeiro, A Pedra do Reino; o segundo, O Rei Degolado, e terceiro Sinésio o Luminoso. Então, escrevi o primeiro e, do segundo, escrevi duas partes. Seriam cinco partes. Eu escrevi duas e as publiquei em livro somente uma.

Vamos falar um pouco sobre política. O sr. se considera um idealista?

Ariano – Você se refere a idealista no sentido filosófico?

Em que sentido o sr. é ou deixar de ser socialista?

Ariano – Essa palavra é uma palavra muito ambígua. Eu, que fui professor de Filosofia sei que esta palavra é muito ambígua. Porque os marxistas, por exemplo, chamam de idealista toda pessoa que tem uma visão materialista. Portanto, eles opõem o idealismo ao materialismo. Dentro desse sentido, eu sou um idealista. Agora eu, pessoalmente, não entendo dessa linha. Para mim, idealista se opõe ao realismo. E, nesse caso, por exemplo, Aristóteles não era um materialista, mas um realista. Então, eu sei como você está encarando a questão. Depende de como você encara. Se for dentro da visão marxista, eu sou um idealista; mas, dentro da visão aristotélica, eu sou um realista.

O sr. simpatiza com o marxismo?

Ariano – Antipatizo. Talvez antipatize mais ainda que com alguma coisa que pensavam que eu era contra: o capitalismo. Eu ainda tenho mais antipatia, talvez, pelo capitalismo, do que pelo marxismo.

Por que essa antipatia pelo marxismo?

Ariano – A antipatia deve ser mútua, inclusive. Porque tudo o que eu acredito é contrário ao marxismo. O marxismo é uma forma de materialismo. E eu tenho uma visão religiosa do mundo e do homem. A antipatia começa por aí. Depois, o marxismo na forma que ele assumiu, por exemplo, na ex-União Soviética, assumiu uma linha violenta da ditadura leninista e stalinista, que hoje está desmoralizada, mas a qual eu me opus antes disso. Agora, repito uma coisa que eu tenho dito sempre, mas que não tem sido publicada: eu ainda tenho mais antipatia ao capitalismo do que ao marxismo.

E como o sr. se define do ponto de vista ideológico?

Ariano – Como um socialista.

Não é meio contraditório : um socialista que antipatiza o marxismo?

Ariano – Não há contradição nenhuma. Mesmo porque o marxismo é apenas um tipo de socialismo. E, no meu entender, o marxismo foi uma visão deturpada do socialismo. O socialismo é muito anterior ao marxismo. Antes mesmo de Marx já havia os chamados socialistas utópicos, como Fourier, Babef, Benjamin, entre outros socialistas que não eram marxistas, e foram bastante anteriores ao socialismo. E o socialismo, como eu o entendo, é um sonho da humanidade que vem de muito longe. Vem desde o Cristianismo do tempo dos apóstolos.

Qual seria o modelo de socialismo mais próximo daquele que o sr. prega?

Ariano – Antônio Conselheiro e Canudos. Para mim, a coisa mais importante para um socialista brasileiro foi a tentativa que se fez em Canudos, de se instaurar o socialismo saindo de baixo para cima, e não imposto de cima para baixo.

O sr. diz que o socialismo é um sonho da humanidade que vem de muito longe, desde o cristianismo. Agora, desmorona o bloco socialista, cai o muro de Berlim, o capital já está presente nessas áreas. E agora, qual a utopia da humanidade neste final de século?

Ariano – Em que sentido?

No sentido político, no sentido de transformações sociais, de fazer com que as sociedades se tornem mais justas e igualitárias.

Ariano – Se não existisse uma utopia, teria de ser criada, porque o homem não pode viver sem um sonho. O homem não pode viver sem um sonho de melhoria. E este sonho para mim existe, que é este que estou lhe dizendo: o socialismo para uma sociedade justa e fraterna, como até hoje não foi feito. Veja você que os regimes ditos liberais, burgueses, privilegiaram a liberdade em detrimento da justiça. O socialismo marxista que, no meu entender, é uma deturpação do socialismo, privilegiou a justiça e a igualdade em detrimento da liberdade. Mas, infelizmente, em ambos os casos foi sempre liberdade para uma minoria e justiça para a maioria. Até hoje não se consegue fazer e organizar uma sociedade na qual a liberdade e a justiça tivessem o mesmo valor para a esmagadora maioria. Esse sonho é tão antigo quanto o homem, e será quem tem de nos guiar nessa abertura do terceiro milênio.

Que significado tiveram para o sr. os episódios do Leste Europeu, a queda do muro de Berlim? Até que ponto isso pode ter abalado a sua (e de tantos outros) convicção ideológica, mas sobretudo a esperança de implantação do socialismo, seja ele em que sentido for?

Ariano – Muito pelo contrário. Pela primeira vez eu me filiei a um partido político, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), ao qual pertenço hoje. Exatamente por conta desses fatos. Como os capitalistas diante daquela derrocada começaram a ficar imbuídos de um triunfalismo, a meu ver internamente injustificado, eu então achei que seria o momento de nós afirmarmos a verdade e a beleza do socialismo. Pela primeira vez eu me senti nessas condições. Porque, se eu antes me filiasse a um partido socialista, poderia ser confundido com os stalisnistas, com os marxistas, coisa que eu não queria. Então, no momento em que o stalinismo desmoronou, resolvi me filiar a um partido político socialista. E isso aconteceu pela primeira vez na minha vida. Exatamente para afirmar que o pessoal que está pensando que o socialismo está em crise, que o socialismo morreu, está inteiramente equivocado. Quem está em crise é o marxismo. O socialismo, mais do que nunca, é atual. Enquanto houver um injustiçado no mundo, o socialismo é atual e verdadeiro. Então, foi aí, a partir desses episódios, que me filiei a um partido político.

Assinar uma ficha de um partido político pressupõe que se assume um compromisso bem maior – um engajamento partidário efetivo e disposição de ajudar a esse partido, no seu crescimento, nos seus pontos programáticos etc. Até que ponto o seu envolvimento com o PSB pode descambar para uma candidatura?

Ariano – Não, de maneira nenhuma! Eu milito no PSB em Pernambuco, mas apenas como escritor, o que sempre fui. E é como escritor que participo do partido, e não como um político, porque eu não sou nem saberia agir como um político. Eu não tenho as qualidades necessárias para um político.

O fato de o sr. ser um socialista por convicção – e agora um militante de um partido político – não significa um risco para o escritor Ariano Suassuna, de deixar que o seu pensamento político partidário se manifeste em sua obra? Aliás, de que forma a sua ideologia se manifesta em sua obra?

Ariano – Você agora usou o idealismo em outro sentido. Faço uma distinção muito grande entre a militância pessoal e a arte engajada. Isso eu não vou permitir, não. A minha arte não fica colocada a serviço de partido nenhum. Se eu tenho preocupações políticas, essas preocupações naturalmente aparecem, como sempre tem aparecido. Mas no sentido de fazer uma obra de tese, ou uma obra a tal ponto engajada que venha a afastá-la daquilo que é a sua preocupação fundamental, que é a criação da beleza.

Em artigo que publicou na década de 70, o sr. chegou a profetizar que os pólos extremos das nações mais poderosas – “aparentemente inimigas” – viriam a se unir um dia, em detrimento dos países pobres do Terceiro Mundo. Há sinais de que isto venha a ocorrer?

Ariano – E não está acontecendo?! Veja agora: se aliaram os Estados Unidos, a Russia, a Alemanha, a Itália, a França para atacar o Iraque. Isso eu vi que ia acontecer. Porque, no fundo, tanto o marxismo-leninismo como o capitalismo tinham como idéia de nação um país fundamentado sobretudo na produção. Então, os valores éticos e morais são todos postos de lado, tanto em um como no outro. São duas formas de materialismo – o marxismo e o capitalismo. A importância que eles dão é a eficiência econômica e militar do pais. Então, eles terminaram se aliando. Isso era claro há muito tempo. Então, foi por isso que – me parede em 1976 – escrevi um artigo dizendo que eles iriam se aliar e partir contra o Terceiro Mundo, que consideram o real inimigo.

Qual a sua opinião sobre regimes como o da Albânia e de Cuba, que ainda resistem ao capitalismo?

Ariano – Eu simpatizava com a Albânia do ponto de vista do tamanho. Achava que era um pais pequeno com a coragem de enfrentar a gigante União Soviética mas que, infelizmente, fazia isso em nome de um radicalismo marxista ainda maior do que o da União Soviética. Quanto a Cuba, os meus sentimentos são contraditórios. De uma maneira geral, eu simpatizo muito com Cuba, com Fidel Castro e com o papel que ele desempenha na América Latina. Mas, a meu ver, o grande problema de lá é o marxismo. Se eles abandonassem o marxismo em nome de uma visão mais ampla de socialismo eu estaria com Cuba totalmente. Mas não estou por isso.

Como uma pessoa fiel à originalidade e ao pensamento político, alguma vez, por acaso, numa reflexão sobre esta postura, chegou a ter a sensação de estar ultrapassado?

Ariano – Lhe digo com a maior franqueza: eu não estou nem um pouco preocupado com este problema de estar, ou não, ultrapassado. Eu me preocupo muito é em manter uma coerência comigo mesmo e uma fidelidade àquilo que julgo ser a posição correta, seja em que campo for; seja no campo religioso, filosófico, político etc. Então, isso de me fazer, em certos momentos, parecer ultrapassado, não é um problema que me preocupa.

O sr. admite que é um “anarquista de esquerda”, como já tentou-se rotula-lo? E qual é o perfil do anarquista de esquerda?

Ariano – Olhe (risos), eu já estou cansado de responder a esse tipo de coisa. Eu já vi que não adianta mesmo explicar. Porque a gente explica e depois pergunta novamente; a gente voltar a explicar e perguntam mais uma vez. Não respondi a esta pergunta menos de 100 vezes. Mas, em todo caso, vou lhe responder. Acho esse problema secundário. E acredito, até, que as pessoas mais esclarecidas caem no equívoco de pensar que monarquia se opõe à democracia. Isso não é verdade. O problema da forma de um governo ser monárquico ou republicano é um problema secundário, até certo ponto. Porque não é isso que vai dar liberdade nem justiça. Lhe dou um exemplo claro: no século XX, as duas tiranias que se estabeleceram, ou seja, as duas formas mais autoritárias, mais diferentes de uma democracia, foram as formas republicanas: o nazismo e o stalinismo. A União Soviética era uma república e a Alemanha, de Hitler, também era uma república. Então, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Enquanto isso, na Suécia e na Espanha, se tem dois países monárquicos se fazendo um caminho mais para o socialismo, e com a monarquia.

Particularmente quanto ao Brasil?

Ariano – No caso do Brasil, o que me preocupa é que os príncipes da Casa de Bragança são da TFP – Tradição, Família e Propriedade -, num grupo; em outro, os monarquistas brasileiros estão divididos em duas linhas: uma de Dom Luiz e D. Bertrand etc, que são da TFP, de extrema direita, e os outros que são sustentados pelo deputado Cunha Bueno, que estão de acordo com a famosa e falsa “modernidade liberal” e entreguista da linha de Collor de Mello. Basta dizer que esta linha foi elogiada por Delfim Neto…

O sr tem combatido o chamado “modernismo liberal”. Por que?

Ariano – Eu falo mal deles por causa da impostura. Tenho horror à impostura. E essa “modernidade liberal” é uma impostura. Primeiro porque não é modernidade. Eles chamam os que estão defendendo o patrimônio nacional de “dinossauros dos anos 50″. Mas, comparados com eles, os “dinossauros dos anos 50″ são de hoje. Porque eles são do século XVIII. Então, em primeiro lugar não ha modernidade; e, em segundo lugar, não são liberais. Os maiores autoritários do mundo são esses adeptos da “modernidade liberal”. O pior de tudo é que eles são inimigos do patrimônio nacional. Estão entregando o País. Eu posso fazer todo acordo, menos com eles.

E quem melhor encarna o espirito da modernidade no Brasil?

Ariano – Não é pouca gente, não. É muito fácil para mim dizer que o Collor é um deles, por exemplo. Mas há também o Delfim Neto, o Roberto Campos; todos eles são lideres desse pensamento. No campo da cultura, era José Guilherme Melchior, que morreu há pouco e que queria fazer do Brasil um país organizado nessa linha. Eu não sei porque esse pessoal tem como moderno um pais como os Estados Unidos. Eu olho para os Estados Unidos e penso: meu Deus, será nisso que querem transformar o Brasil?! No dia em que transformarem o Brasil em alguma coisa como os Estados Unidos, como estão tentando, em me mudo daqui. Eu prefiro morar em Bangladesh. Prefiro um Brasil parecido com Bangladesh do que um Brasil parecido com os Estados Unidos.

Alguma vez pensou em deixar o Brasil? Já foi convidado a deixar o Brasil?

Ariano – Já fui convidado várias vezes, mas nunca saí. Já fui convidado para os Estados Unidos, Alemanha, França e Israel. Para a Alemanha, seria para ensinar; para os demais, para assistir à estréia de peças.

Quais das suas obras o sr. considera como as mais importantes?

Ariano – Posso dizer aquelas que eu prefiro. No campo da pintura, seria até um exagero eu falar disso, porque não me considero um pintor. Sou um gravador, faço um tipo muito especial de gravura. Para lhe ser franco, eu sou na verdade um artista gráfico. Eu sou mesmo um escritor que faz gravura. Nessa campo, tudo o que faço é procurando ligar ao texto literário. É uma criação que é feita paralelamente à criação do texto literário, alguma coisa apenas para ilustrar o texto literário que nasce com ele. Do ponto de vista literário, se eu tivesse que escolher alguma coisa minha para fora eu escolheria A Pedra do Reino, apesar dos defeitos que reconheço. No teatro, O Auto da Compadecida e A Farsa da Boa Preguiça.

O sr. tem lido com freqüência? O que está lendo, no momento?

Ariano – Atualmente estou relendo Dom Quixote.

Quais as influências que o Escritor Ariano Suassuna sofreu?

Ariano – De muita gente. Dos autores espanhóis. Recebi uma influência muito grande Calderón de La Barca; de Gil Vicente, o português; dos grandes escritores russos, principalmente Gogol.

De que forma a poesia se manifesta no seu trabalho?

Ariano – Eu considero a poesia a fonte profunda de tudo o que escrevo, inclusive do romance e do teatro, apesar de minha poesia ser pouco conhecida.

Me parece que há um livro seu de poesia ainda inédito. Por que não foi publicado?

Ariano – Há, sim. O Pasto Incendiado. Não foi publicado por dificuldades. Por outro lado, eu também sempre pensei em usar esses poemas do livro integrados num texto maior. É mais por minha culpa do que por culpa dos editores.

Há uma outra obra sua jamais publicada: O Arco Desolado. Porque O sr. nunca publicou essa peça?

Ariano – Porque considero uma peça falha.

E o seu lado de ator, como ele se manifesta?

Ariano – Eu sempre fui muito ruim. Não posso nem dizer que tentei. Mas, quando eu era do Teatro do Estudante de Pernambuco, estavam montando uma peça minha e faltou um ator. Como só quem conhecia o papel era eu, me botaram para fazer e foi uma das piores experiências da minha vida.

E isso lhe frustra?

Ariano – Não. eu escrevo para os outros representar.

Os reis e palhaços são personagens muito presentes na sua obra. Há uma razão especial para isso?

Ariano – É porque eu considero tanto o rei quanto o palhaço duas figuras simbólicas da alma humana. Acho que todos nós somos um misto de rei com palhaço. Rei e palhaço são dois símbolos muito fortes dessa dicotomia da alma humana.

Qual a sua ligação ou afinidade com o circo?

Ariano – Primeiro por aquela força que tem o palhaço, símbolo da alma humana. Depois, pelo papel que o circo e o palhaço exerceram na minha infância, sendo talvez a primeira forma de teatro da qual tomei conhecimento.

O seu primeiro contato com o circo foi em Taperoá (Paraíba). Havia o palhaço Gregório. Teria sido ele quem inspirou os palhaços de suas obras?

Ariano – Era um circo mambembe, brasileiro, que passava em Taperoá, quando eu era menino. Realmente, tinha esse palhaço a quem eu prestei a minha devida homenagem. Inclusive, no discurso que fiz, quando tomei posse na Academia Brasileira de Letras, fiz referências a essa influência do palhaço Gregório em mim.

Há semelhanças entre o circo e o teatro, quais são elas? O Teatro seria um circo mais moderno, mais elitista?

Ariano – Nunca fiz distinção. Para mim, tanto o circo quando o teatro são uma forma de espetáculo. Nunca fiz distinção, principalmente porque nos circos da minha infância, havia inclusive teatro.

Há insinuações segundo as quais Macunaima teria influenciado Quaderna. O que há de verdadeiro nisso?

Ariano – Não influenciou nada. Eu quando li Macunaima já era bastante adulto e já tinha publicado A Pedra do Reino.

A propósito, há uma versão de que o sr. antipatiza com Mário de Andrade. Ele teria acusado o seu pai (João Suassuna, ex-presidente da Paraíba) de ser o verdadeiro autor de uma obra forjada com o pseudônimo Érico de Almeida, que surgiu como jornalista. Como é mesmo essa história?

Ariano – Ele passou uma vez pela Paraíba. Por motivos políticos, não simpatizava com o meu pai, e andou caluniando o meu pai, dizendo que meu pai tinha forjado um livro e colocado o nome falso de Érico de Almeida, dizendo que era este o pseudônimo do meu pai.

Mas, isto não tem nada a ver com o fato de você não gostar de Macunaima, não é mesmo?

Ariano – Há razões para eu não gostar de Macunaima. Por exemplo: sábado passado (dia 14) O Auto da Compadecida foi encenada aqui em Recife. O jornal publicou uma nota chamando João Grilo de herói sem caráter. Fiquei indignado, porque não considero João Grilo um herói sem caráter. Pelo contrário, para mim é o personagem de mais caráter de O Auto da Compadecida. Esse negócio de apresentar como expressão típica do povo brasileiro um herói sem caráter, me irrita profundamente, porque não é a verdade. O povo brasileiro tem caráter e João Grilo tem caráter. Uma pessoa como ele, que resiste a tudo, passando as dificuldades que ele passou e resistir, vencer. Ele luta contra tudo e contra todos; contra a burguesia, representada pelo pai dele; luta contra a aristocracia rural, representada pelo Major Antônio Morais; luta contra os cangaceiros, que vêm matá-lo; contra a polícia e enfrenta até as potestades celestes. Porque se uma figura dessa não tem caráter, eu não sei quem mais tem caráter.

Quando falávamos de circo, você se referiu à sua infância. Que lembranças você guarda da infância? Teria sido uma infância agradável?

Ariano – Tenho quase uma obsessão pela infância. Não é gostar ou deixar de gostar. Em mim é uma imposição da minha personalidade falar sobre isso, ou escrever sobre isso. Acho a infância uma coisa muito forte em meu mundo.

Quando criança, O sr. gostava muito de caçar. Ainda caça, hoje em dia?

Ariano – Não.

Por que?

Ariano – Deixei de caçar porque concluí que não era uma coisa justa. Era uma forma de violência contra a natureza, contra os bichos.

Seria o seu lado de ecologista se manifestando?

Ariano – Não. Eu não simpatizo com a ecologia, principalmente da maneira que está sendo introduzida no Brasil. A ecologia, no Brasil, está se tornando uma outra impostura. As elites brasileiras estão preocupadas porque o mico-leão-dourado está se extinguindo. Enquanto isso, o ser humano, mais importante do que qualquer mico-leão-dourado, é deixado aí passando fome, sofrendo doenças e sem ninguém ver que o povo brasileiro é a espécie mais importante em extinção. Outro dia, prenderam dois rapazes aqui no sertão pernambucano porque mataram um tatu para comer. A ecologia está colocando o ser humano como secundário, em nome da ararinha-azul. Só peço que as elites brasileiras e o governo brasileiro tenham pelos brasileiros a mesma preocupação que estão tendo com o mico-leão-dourado. Não gosto disso, detesto essa coisa.

O sr. foi o criador do Movimento Armorial. Qual era a proposta desse movimento?

Ariano – Era a busca de uma arte erudita brasileira baseada no nacional e no popular como verdadeiras colunas para o universal. Entendíamos que, de inicio, não existe arte universal. Existe a arte universalizada pela boa qualidade e pela divulgação. Toda arte verdadeira é, de início, nacional. E, no Brasil, só é nacional o que é popular ou aquilo que é ligado ao popular. O Movimento Armorial buscava uma arte erudita brasileira fundamentada no nacional e no popular, em busca do universal.

Quem mais participou do Movimento Armorial?

Ariano – Muita gente. Eu apenas sugeri a criação do movimento e o batizei. Mas também participaram Capiba, Guerra-Peixe, Jarbas Maciel, Antônio Madureira e Antônio Nóbrega. Atualmente, participam Janice Japiassu, Débora, um jovem escultor chamado Arnaldo Barbosa e outros jovens pintores como Romero de Andrade Lima, Dantas Suassuna e outros.

Quer dizer que o movimento continua firme?

Ariano – Ainda.

E quais são os resultados desse movimento?

Ariano – São vários os frutos. O romance d’A Pedra do Reino é um deles. A música de Antônio Madureira, é outro; o Quinteto Armorial, que acaba de ser editado em CD.

O Movimento Armorial surgiu exatamente 40 anos depois da morte do seu pai, João Suassuna. Porventura existe alguma relação entre os dois fatos?

Ariano – Não teve muita relação. A herança do movimento, como não podia deixar de ser, é mais cultural. Nós procuramos levar adiante o trabalho da escola do Recife, que foi liderada por Tobias Barreto e Sílvio Romero, no século XIX; da Semana de Arte Moderna e do Movimento Regionalista.

E a cultura brasileira, de modo geral, a quantas anda?

Ariano – Não tenho muitas informações a respeito. Estou muito trancado aqui, escrevendo o meu livro. Não leio muito jornais, revistas e, portanto, não estou a par.

Vamos falar um pouco de outro movimento, o Movimento Tropicalista. É verdade que o você o considera “equivocado”? Qual teria sido o grande equívoco dos Tropicalistas?

Ariano – Acho o Tropicalismo um movimento equivocado porque ele assumiu como bandeira uma idéia que era espalhada na América Latina e no mundo, pelos americanos, que apresentavam a visão caricata, ridícula, do homem latino-americano em geral, particularmente do Brasil. O Movimento Tropicalista valorizava certas coisas de profundo mau-gosto. Acredito que eles pensavam que com isso reagiriam. Mas, a meu ver, eles incorporaram as imagens negativas, de mau-gosto, ao pensamento e às idéias do movimento.

Carmem Miranda, porventura, também seria uma dessas figuras caricatas do Brasil?

Ariano – Ora, sem dúvida alguma. A Carmem Miranda é uma coisa que nem sequer me preocupa. Você, se for entrevistar um escritor francês, não vá perguntar a ele sobre Edith Piaf, porque não tem sentido. O escritor francês se interessa por Erick Satie, De Bussy e Ravel, e não por Piaf; o escritor brasileiro também não tem interesse por Carmem Miranda. Ela não significa nada para mim. Quem significa para mim é Euclides da Cunha. Este sim. E se é por proteção à mulher, já que Carmem Miranda era mulher, me interesso por Clarice Lispector, Cecília Meireles e Rachel de Queiroz. Mas Carmem Miranda não significa nada, coisa nenhuma.

O que significa , para você, a música de Caetano Veloso, que é uma espécia de mito, uma figura nacionalmente festejada e um dos principais precursores do Tropicalismo?

Ariano – Rapaz eu não quero mais falar disso, não. Mas, é a mesma coisa de Carmem Miranda. Eu não tenho o menor interesse de falar disso, mas é a mesma coisa que eu disse de Carmem Miranda.

A propósito de Euclides da Cunha: a conotação dada à vida de dele no recente seriado da Rede Globo de Televisão, gerou indignação pelo tratamento ridículo que teria sido dado à figura histórica. O sr. compartilha desse sentimento, dessa indignação?

Ariano – Acho melhor do que a versão dada por Mário Vargas Llosa na Guerra do Fim do Mundo. Eu preferi a televisão brasileira. Deturpação tinha que haver. Porque aquilo é uma obra de arte, uma criação. Tinha que haver. Isso não quer dizer que eu gostei. Mas que gostei menos ainda do romance de Vargas Llosa que, no entanto, a crítica brasileira colocou nas alturas. Aquilo é um acinte à memória de Euclides da Cunha, uma vergonha – apresenta Euclides como um covarde, coisa que ele nunca foi. Ele era bravo, valente. Pelo menos a televisão o mostrou como um homem corajoso, que ele realmente era.

O sr. ausentou-se da Paraíba e se distancia dela. Há alguma razão especial para isso? As lembranças da Paraíba lhes são tão amargas assim, ou o sr. acompanha o que ocorre lá, a política, talvez, meso à distância?

Ariano – Não me ausentei da Paraíba. Todo ano vou à Paraíba. Preocupações com a política da Paraíba eu tenho com relação a qualquer outro Estado brasileiro. Agora eu noto que a Paraíba me estranha.

Como assim? Por que chegou a essa conclusão?

Ariano – Há uns três anos, saiu uma reportagem na revista Veja sobre a Paraíba. Uma matéria paga pelo Governo do Estado. Não tem nenhuma referência a mim. A princípio achei que seria porque só estaria fazendo referência aos mortos. Mas não. Depois pensei que se colocaria apenas os que não saíram do Estado, mas não. José Lins do Rego viveu a vida toda fora da Paraíba e ninguém nunca ligou, e estava lá presente. Tinha referências a Sivuca. Todas as referências muito justas, mas acho que eu era a única pessoa que não estava mencionada. Há um livro – A Literatura na Paraíba, Ontem e Hoje – onde há uma série de estudos sobre artistas da Paraíba, e não tem nenhuma referência a mim.
Estão todos, menos eu. Então, não fui eu quem me distanciei da Paraíba, ela foi quem distanciou-se de mim; a Capital, porque ao sertão eu vou todos os anos. A Taperoá vou freqüentemente. No ano passado, eu passei os meses de abril e outubro em Taperoá. Agora, vou de novo. Não sei se não será ao contrário: a Paraíba foi quem se esqueceu de mim. Em todo o canto que eu chego, seguro a minha condição de paraibano, a afirmo. Quando recebi o título de Cidadão pernambucano, no discurso de saudação alguém disse que eu era um “pernambucano de coração”.

Eu disse: não, senhor. Eu sou paraibano de nascimento e de coração. Agora, moro em Pernambuco, e não há guerra entre Pernambuco e Paraíba. Sou bem tratado aqui. Os pernambucanos querem dizer que eu sou Pernambucano, mas eu digo que sou paraibano. Mas a Paraíba não quer me aceitar. Aí é outra coisa…


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